«Até amanhã, Camaradas»<br>merecidamente premiado

Manuel Gusmão

No pre­fácio que es­creveu para a 9ª. edição (em 2004) de «Até amanhã, Ca­ma­radas», o nosso ca­ma­rada Óscar Lopes, pro­fundo co­nhe­cedor da li­te­ra­tura por­tu­guesa, co­meça por co­locar uma questão:

A pri­meira re­flexão que nos ocorre, e em parte mo­tiva quantas se se­guem, é a se­guinte: como com­pre­ender que um ro­mance já tão lido e a vá­rios tí­tulos tão im­por­tante tenha sido tão ig­no­rado, pela crí­tica.

De­pois de ob­servar as mu­ta­ções que se es­tavam a dar no campo de es­tudos da crí­tica li­te­rária, das suas fun­ções e dos seus va­lores (e que vi­nham de antes do 25 de Abril), Óscar Lopes detém-se num factor fun­da­mental à com­pre­ensão desse alhe­a­mento ou atraso da crí­tica em re­lação ao ro­mance que per­ma­ne­cera apenas as­si­nado pelo pseu­dó­nimo li­te­rário de Ma­nuel Tiago, até 14 de De­zembro de 1994, data em que Álvaro Cu­nhal as­sumiu como seu esse pseu­dó­nimo.

«Até amanhã, Ca­ma­radas» foi na­tu­ral­mente re­cal­cado por aqueles que pre­ci­savam de es­quecer (e de fazer es­quecer) tudo aquilo que esta de­mo­cracia que hoje já deve, e con­tinua de­vendo, em vi­gi­lância e luta quo­ti­diana, à prin­cipal força or­ga­ni­zada de re­sis­tência contra o fas­cismo.

Uma adap­tação ci­ne­ma­to­grá­fica deste ro­mance e com o mesmo tí­tulo, re­a­li­zada por Jo­a­quim Leitão, re­cebeu re­cen­te­mente quatro pré­mios Sophia atri­buídos pela Aca­demia Por­tu­guesa de Ci­nema, de­pois de ter sido no­meado para 15 ca­te­go­rias.

Jo­a­quim Leitão venceu o Prémio Sophia para Me­lhor Re­a­li­zador com o filme «Até amanhã ca­ma­radas», en­quanto o Prémio de Me­lhor Filme foi para «A úl­tima vez que vi Macau», de João Pedro Ro­dri­gues e João Rui Guerra da Mata.

Já o Prémio de Me­lhor Som foi para Carlos Al­berto Lopes e Branko Neskov, pelo filme «Até Amanhã Ca­ma­radas», en­quanto Ro­drigo Leão venceu o de Me­lhor Mú­sica, com «O Frágil Som do Meu Motor».

O Prémio de Me­lhor Atriz se­cun­dária foi atri­buído a Be­a­triz Ba­tarda, pela in­ter­pre­tação em «Com­boio No­turno para Lisboa», e o de Me­lhor Ator Se­cun­dário a Adriano Luz, pelo seu papel em «Até Amanhã Ca­ma­radas».

O Prémio para Me­lhor Do­cu­men­tário foi atri­buído a «A Ba­talha de Ta­batô», de João Viana, e o de Me­lhor Guarda-Roupa a Maria Gon­zaga e Maria Amaral, por «Até Amanhã Ca­ma­radas».


Ou­tros Pré­mios

Rita Durão, com a in­ter­pre­tação «Em se­gunda mão», ob­teve o prémio para Me­lhor Atriz, e o de Me­lhor Actor foi para Pedro Hestnes, também pela in­ter­pre­tação «Em se­gunda mão».

A Aca­demia Por­tu­guesa de Ci­nema atri­buiu ainda, quarta-feira à noite, pré­mios de car­reira ao di­rector de fo­to­grafia Edu­ardo Serra, ao pro­dutor Hen­rique Es­pí­rito Santo e ao re­a­li­zador José Fon­seca e Costa. E esta breve nota não per­mite que eu faça o elogio do Hen­rique Es­pí­rito Santo e lhe de­seje com toda a ter­nura, a ele, velho mi­li­tante do PCP: Pa­ra­béns, Hen­rique.

Po­demos dizer que a ri­go­rosa adap­tação do ro­mance pelo filme vem cu­ri­o­sa­mente de qua­li­dades da nar­ra­tiva ci­ne­ma­to­grá­fica, pa­re­cendo apro­veitar pre­ci­sa­mente o que há-de ci­ne­ma­to­grá­fico em mo­vi­mentos nar­ra­tivos do ro­mance. O mesmo Óscar Lopes as­si­nala essa grande qua­li­dade deste ro­mance e que po­demos de­signar como agi­li­dade nar­ra­tiva e as­so­ciar a uma ní­tida ca­pa­ci­dade de vi­su­a­li­zação:

Este ro­mance, pro­va­vel­mente con­ce­bido e co­me­çado a es­crever nos anos 50 ou 60, talvez numa folga in­vo­lun­tária de com­bate so­cial di­recto que pro­pi­ciou uma me­di­tação e uma evo­cação, em ima­gens vi­vidas e tí­picas de um epi­sódio-mo­delo lo­ca­li­zado no tempo da Guerra – este ro­mance baniu toda a ên­fase (ainda à Zola), toda a vaga ale­goria da es­pe­rança so­cial…

E re­pare-se como a des­crição que Óscar Lopes faz de uma di­mensão da es­tru­tura global da acção do ro­mance se torna ela pró­pria vi­sual e lu­mi­nosa:

O grá­fico geral da acção de­senha-se com grande cla­reza: há uma en­chente, uma preia-mar; a va­zante e o re­a­gru­pa­mento que pre­cede a maré se­guinte.

E aqui o mar ofe­rece-se como imagem ne­ces­sária para não trair a força dos hu­manos em­pe­nhados na luta de classes.

Este ro­mance conta um frag­mento po­de­roso da pré-his­tória do Por­tugal de Abril.




Mais artigos de: Argumentos

Gente, lixo, África, mundo

Por alturas do Dia Mundial do Combate à Pobreza, embora não só nesse dia, a televisão costuma trazer-nos boas notícias. Boas mesmo, estreitamente relacionadas com bondade, isto é, com corações sensibilizados, com amor ao próximo ou pelo menos reconhecimento...

Bairro dormitório<br> e boa vida de cão

Vivo na «cordilheira» de Massamá, ao meio de uma das inúmeras ladeiras íngremes. Com bastante idade já é difícil sair de casa pensando na obrigatória ladeira que terei de enfrentar na ida ou na volta. Há uma linha de transporte interno que serve alguns...

Da I Grande Guerra<br> aos nossos dias

«A guerra europeia, que foi preparada no decurso de decénios pelos governos e pelos partidos burgueses de todos os países, rebentou. O aumento dos armamentos, a extrema agudização da luta pelos mercados na época do estádio actual, imperialista, de desenvolvimento do...